Apreciação da SPE relativamente à proposta de revisão do Plano de Ordenamento do PNSAC

1 - Nota-se nos documentos produzidos um grande empenho dos elementos do Instituto de Conservação da Natureza (ICN) que participaram na revisão do Plano de Ordenamento do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros (POPNSAC), o que se revela não só na qualidade e pormenor da cartografia mas também nos trabalhos de inventariação do património. A Sociedade Portuguesa de Espeleologia congratula-se com a dedicação, sem surpresas, daqueles de quem depende grande parte do trabalho árduo de preservação dos valores naturais e certamente mais amam a área protegida e mais sofrem com a sua degradação.

2 - No entanto, de alguns documentos e do Regulamento proposto, não resulta claro para a Sociedade Portuguesa de Espeleologia que esteja garantida a melhor utilidade do trabalho desenvolvido para a conservação da natureza pois nos parece que o equilíbrio entre os impactes causados pela indústria extractiva e a conservação dos valores naturais é demasiado precário, nomeadamente no que se refere aos valores espeleológicos, mas também geológicos, geomorfológicos e hidrogeológicos.

3 - A Sociedade Portuguesa de Espeleologia considera que, apesar de os trabalhos de revisão serem talvez os que mais pesaram os aspectos geológicos, em sentido lato, de quantos já se fizeram para parques naturais, uma decisão dos responsáveis pela revisão que muito louvamos, a transposição desta atitude para o Regulamento sofre, quanto a nós, da habitual sobrevalorização dos valores bióticos e subalternização ou condescendente aquiescência relativamente aos valores abióticos, apesar de louvarmos o conteúdo da Secção II. Tanto assim é que, pese embora o unânime reconhecimento da importância do Maciço Calcário Estremenho enquanto região cársica mais característica de Portugal, onde se podem “ler” passos importantíssimos da evolução da Bacia Lusitânica, com extensos campos de lapiás, grupos de dolinas de várias tipologias e poljes de excelência, no qual existiam antes do início do desenvolvimento explosivo da exploração de pedra, mais de um milhar de grutas e que constitui o aquífero cársico com as nascentes mais caudalosas de Portugal, ainda assim, a a) do n.º 2 do Art. 2 do Regulamento escusa-se a dar a merecida primazia aos aspectos geológicos e refere-os apenas no fim dos objectivos. Mera questão de forma, dir-se-á, mas alguns dos exemplos que referimos a seguir demonstram que o património geológico, em sentido lato, não foi muitas vezes preocupação primeira.

4 - Embora outros documentos justifiquem não ter sido incluído todo o Maciço Calcário Estremenho, no Regulamento não há qualquer referência à necessidade de anexar áreas contíguas do Maciço Calcário Estremenho quer porque constituem a continuidade natural de áreas do PNSAC, quer porque complementam a diversidade espeleológica, geológica e geomorfológica do PNSAC, quer ainda porque constituem áreas de prolongamento de grutas importantes ou fazem parte das bacias de alimentação de nascentes importantes. Para dar apenas três exemplos paradigmáticos do domínio da geomorfologia cársica, lembramos que a vertente nordeste do Polje de Minde, a Gruta dos Moinhos Velhos e a Gruta da Nascente do Almonda não estão incluídas na área do PNSAC. Por isso, no entender da Sociedade Portuguesa de Espeleologia, esta revisão do POPNSAC falha a redefinição dos limites da área protegida, não assume os aquíferos cársicos como um bem a proteger e não estabelece qualquer caminho ou perspectiva para corrigir no futuro estas deficiências.

5 - Na alínea z) do n.º 1 do Art. 8º do Regulamento, o condicionamento a que novas explorações sejam autorizadas pela CD do PNSAC é “a totalidade das áreas a licenciar ser equivalente ao total da área resultante do fecho e recuperação de explorações já licenciadas... de modo que a área total das explorações se mantenha constante”. Por outro lado, na alínea aa) permite-se “a ampliação de cada exploração de recursos geológicos até 10% da respectiva área licenciada...” e “acresce a área entretanto recuperada”. Quaisquer que sejam as contas, corre-se o risco de se estar aqui a regulamentar a paulatina mas sistemática devastação do Maciço Calcário Estremenho e sua substituição por montes de terra misturada com pedras, remoldados com a topografia registada nas cartas topográficas e em que, na melhor das hipóteses, alguns elementos do património geológico constituiriam ilhas.

6 – Enaltece-se o Relatório Final quando no ponto 2.5 reconhece a importância da morfologia cársica ao afirmar que “Como pano de fundo de toda a estratégia de conservação e valorização dos recursos, o plano adopta a conservação dos valores da paisagem de características cársicas do PNSAC”. Todavia, suspeita-se que falhe a compreensão de que a dinâmica da paisagem cársica tem uma escala temporal de evolução da ordem dos milhares de anos, quando mais à frente se afirma que “Consciente do papel modelador da actividade humana na definição desta paisagem e do seu carácter evolutivo, o plano entende a conservação da paisagem do PNSAC de uma forma dinâmica, procurando integrar as alterações inerentes ao desenvolvimento económico e social numa lógica de sustentabilidade e de respeito pelas características que definem esta paisagem como única”.

7 - Muitos dos valores geológicos, particularmente os paleontológicos e espeleológicos, não têm, como os outros valores naturais e patrimoniais, uma exposição patente e podem ser postos a descoberto em situações fortuitas. Do ponto de vista deste património, o único eventual impacte positivo da exploração de pedra é a possibilidade de descoberta de novas jazidas de fósseis e novas grutas. Seria importante que o Regulamento referisse a obrigatoriedade de suspender a exploração e comunicar à direcção do parque a descoberta de grutas e, pelo menos nos casos mais evidentes, vestígios paleontológicos.

8 - No N.º 1 do Art.º 28 do Regulamento deveriam ser aceites excepções que permitissem corrigir deficiências e situações não previstas nos Planos Municipais de Ordenamento do Território (PMOT). Relativamente ao património espeleológico podem referir-se, infelizmente, vários exemplos, nomeadamente casos em que impactes causados em área de PMOT têm reflexos importantes em área protegida. Com esta mesma justificação, a localização de novos perímetros urbanos ou industriais ou a ampliação dos existentes, a que se refere o N.º 1 do Art.º 36 do Regulamento, deve ser fortemente condicionada pela necessidade de não desvirtuar o POPNSAC.

9 - Os pressupostos relativos ao condicionamento da instalação de parques eólicos no PNSAC, referidos no Art.º 36 do Regulamento, não contemplam qualquer argumento relativo ao seu impacte na percepção das grandes unidades geomorfológicas típicas da região.

 

Enviada ao ICN no âmbito da consulta pública do Plano de Ordenamento do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros.