Relativamente aos EIA’s acima referidos cabe-nos comentar o seguinte:
1 - EIA do IC9 EN1 / Nó de Fátima (A1) e Variante à EN243 em Porto de Mós
1.1 Consideramos que é inaceitável a ausência de um capítulo relativo ao Património Geológico, incluindo o geomorfológico e o espeleológico. Em consequência, são praticamente inexistentes, ou sem substância, as referências às ocorrências com interesse científico, pedagógico, didáctico, cultural, monumental ou turístico relativas a temas da geologia, como a paleontologia, a estratigrafia, a tectónica, a hidrologia e a geomorfologia. Não foram, igualmente, encontradas referências significativas à existência de grutas (algares ou lapas), no entanto típicas da região atravessada.
Consideramos que essa caracterização e respectiva avaliação de impactes deve ser efectuada, tendo em atenção não só o enquadramento da região em estudo, mas também a prospecção e caracterização sistemática de uma faixa de 1 km ao longo dos corredores.
A equipa a elaborar o estudo deve ser composta por especialistas da área da geologia e não de áreas “aparentadas”, como por vezes se constata em EIA’s.
1.2 O estudo deveria ter recomendado que, após a definição dos traçados e antes do início da escavação, fossem efectuados estudos geofísicos (georadar ou outros) para detectar a existência de cavidades nos troços situados em região cársica.
1.3 Igualmente se deve preconizar o acompanhamento das obras por equipa de geologia com experiência em regiões cársicas, desde a fase referida no ponto anterior e até ao fim da fase de escavação, com o objectivo de detectar a ocorrência de eventuais grutas ou elementos do património geológico e apresentar propostas de minimização de impactes, protecção ou efectuar o seu registo e estudo sumário.
1.4 A Solução B à Variante à EN243 em Porto de Mós, atravessa (em viaduto) o vale das nascentes do Lena em local muito próximo destas (a sul de Ribeira de Cima), pelo que consideramos que esta solução deve ser rejeitada.
1.5 A Solução Base e a Alternativa 2 passam perto das nascentes de Fonte do Oleiro e Fonte dos Marcos sem que esse facto seja equacionado.
1.6 A Solução Base desenvolve-se, a leste de Torre, no Vale da Pedreira. Ora este vale é, tal como o Vale das Quebradas, um vale suspenso por falha (a falha do Reguengo), aspecto este bastante importante na decifração da evolução geomorfológica da região, tal como reconheceu Fernandes Martins na sua obra de 1949 (“O Maciço Calcário Estremenho”). Menos espectacular que o Vale das Quebradas, o Vale da Pedreira está, no entanto, menos degradado e consideramos que assim deveria continuar.
Outro aspecto negativo resulta do facto de a travessia neste vale quebrar a unidade entre a Serra da Barrozinha e os relevos a norte fronteiros às nascentes do Lis.
Esta discussão e eventuais alternativas não são, ao que julgamos, apresentadas no EIA, tal como não é, do ponto de vista hidrogeológico, suficientemente avaliada a aproximação deste traçado às nascentes do Lis.
1.7 Na Carta das Unidades de Paisagem, o mesmo Vale da Pedreira não é considerado.
1.8 No desenho “Infra-Estruturas de Saneamento e Captações com Respectivas Zonas de Protecção...” consideramos que as zonas de protecção determinadas para a captação de Ribeira de Cima são escassas e não tiveram em consideração o carácter cársico do aquífero, tanto mais que existem dados de traçagens da circulação subterrânea que comprovam a ligação a área mais extensa.
2 - EIA do IC9 Fátima (A1) / Ourém (Alburitel)
2.1 Ao contrário do anterior, este EIA inclui um pequeno capítulo sobre o Património Geológico (“Valores Geológicos”, pp. 14 16), onde são referidas ocorrências na região enquadrante (e algumas próximo dos traçados: Grutas da Moeda). Todavia, consideramos que estas referências são insuficientes e deveria ter sido efectuado um levantamento completo do Património Geológico nos corredores em estudo.
2.2 Consideramos que é manifestamente insuficiente a alusão à existência de “vários algares na zona em estudo” (p. 16) sem que tenham sido, no mínimo, devidamente cartografados e caracterizados. Na realidade o algar referido como tendo cerca de 100 metros de profundidade é o Algar da Água, uma das cavidades mais importantes do Planalto de S. Mamede, e nem o facto de a entrada natural estar actualmente tapada diminui a sua importância, já que se trata de uma gruta com galerias com circulação hídrica, provavelmente relacionada com as nascentes da região do Reguengo do Fetal e/ou das Fontes do Lis.
2.3 Também não consideramos suficiente a justificação de não resposta por parte da Sociedade Torrejana, pois existem entidades dedicadas ao estudo das grutas às quais se poderia ter recorrido.
2.4 Reiteramos as recomendações feitas acima nos pontos 1.1, 1.2 e 1.3.
3. Insuficiente apreciação dos aspectos geológicos
Continuamos a considerar que as entidades oficiais que têm a responsabilidade de aprovar os EIA’s não tomam em devida conta a necessidade de as equipas serem formadas por especialistas das diferentes áreas envolvidas.
É, em nosso entender, a ausência desta apreciação que tem permitido a sistemática desconsideração nos EIA’s dos aspectos relacionados com a geologia, geomorfologia, hidrogeologia, etc., resultado de raramente as equipas incluírem especialistas com graduação nestas áreas.
Em geral, os capítulos relacionados com a vertente geológica são vagos, limitam-se a descrições bibliográficas, por vezes extensas mas sem relação directa com a área em causa, e deles não se extraem geralmente conclusões aplicáveis ao EIA, excepto a óbvia negação do conhecimento de impactes.
Do mesmo modo, as equipas de espeleologia que elaboram a caracterização das grutas devem ser compostas por especialistas de cada um dos aspectos envolvidos (geologia, considerando as grutas como fenómeno geológico; biologia, considerando as grutas como habitats; arqueologia, tendo em atenção os casos de ocupação humana) e não por alpinistas, bombeiros ou empresários de turismo.
Sociedade Portuguesa de Espeleologia
Comissão de Ambiente