Proposta da Sociedade Portuguesa de Espeleologia para Melhoramento do “Projeto de Decreto-Lei que Procede à Regulamentação da Lei N.º 54/2015, de 22 de Junho, no que respeita às Massas Minerais”

A Sociedade Portuguesa de Espeleologia (SPE) é uma organização não governamental de ambiente (ONGA), sem fins lucrativos, dedicada fundamentalmente à espeleologia científica, desenvolvendo para isso atividades de prospeção, exploração e estudo das grutas em Portugal.

As principais regiões de atuação da Espeleologia são constituídas por calcários, onde ocorre a corrosão da rocha por ação da água. Originam-se formas típicas, superficiais e subterrâneas, destacando-se destas últimas as cavidades naturais conhecidas por ‘algares’ ou ‘lapas’, consoante a entrada seja vertical ou horizontal, respetivamente. As entradas para os algares e lapas resultam do lento trabalho dos processos de corrosão no interior da rocha, complementados com a erosão superficial que promove o recuo das vertentes. Num certo momento, de forma gradual, por alargamento progressivo de baixo para cima, ou subitamente, por colapso, abre-se uma entrada para a gruta.

No entanto, em muitos casos a comunicação da gruta com o exterior é muito estreita, não sendo detetada facilmente e podendo, além disso, ficar sujeita a obstrução com terra e pedras. O estudo efetuado por geólogo ou geomorfólogo com experiência em regiões cársicas (as regiões de rochas carbonatadas onde ocorrem os fenómenos de corrosão) e conhecedor dos processos espeleogenéticos (os processos relacionados com a formação das grutas) permite muitas vezes estudar indícios ligeiros que levam em geral à descoberta de entradas ocultadas por processos naturais ou antrópicos.

Nos casos em que nem sequer há indícios à superfície, pode-se recorrer à geofísica. De entre as várias técnicas, refira-se a geoelétrica, que permite assinalar cavidades de grandes dimensões, e o georradar que consegue identificar cavidades mais superficiais, mesmo pequenas.

A exploração de pedreiras constitui um processo de prospeção direta e infalível de cavidades naturais. Largas dezenas de grutas são todos os anos cortadas pelo avanço das frentes de pedreiras. Imediatamente tapadas pelos entulhos produzidos na própria exploração, são raríssimas as exceções das que chegam em estado minimamente conservado ao conhecimento da comunidade científica.

Assim, para que a legislação não continue cúmplice da destruição repetida de grutas, a Sociedade Portuguesa de Espeleologia propõe que sejam consagradas medidas específicas para as pedreiras situadas em regiões cársicas, sobretudo as constituídas por calcários. (Com menor relevância, poderão também ser considerados os mármores ou os basaltos, formados a partir de lavas fluídas, constituindo formações pseudocársicas).

As medidas agora propostas baseiam-se na consciência da importância das grutas nos seguintes aspetos de índole geológica:

  1. Constituem valores científicos indispensáveis para interpretação da evolução geológica e geomorfológica das regiões;
  2. São locais onde se conservam sedimentos utilizáveis no estudo da evolução climática, nomeadamente no Quaternário e em particular no estudo das alterações climáticas;
  3. O estudo da sua evolução dá indicações fundamentais para decifrar o desenvolvimento dos aquíferos em que se inserem;
  4. São muitas vezes potenciais locais de acesso a zonas de circulação ativa das águas subterrâneas possibilitando o estudo das direções de circulação e podendo mesmo permitir a captação direta da água subterrânea;
  5. Constituem valores únicos do património geológico (património espeleológico) com informação diferenciada útil não só em termos científicos, mas também educacionais e culturais;
  6. Nalguns casos podem constituir importantes locais de desenvolvimento do turismo quer na sua forma tradicional quer como turismo de natureza;
  7. Constituem alternativa potencial, distinta ou complementar, à sustentabilidade e ao desenvolvimento das regiões, nomeadamente em períodos de alteração das dinâmicas socioeconómicas e após o esgotamento do recurso geológico rocha.

Àqueles aspetos deve acrescentar-se o interesse biológico e o arqueológico, neste último caso muito pouco significativo em algares, mas importante em lapas.

Além da óbvia participação no EIA ou AIA relativos à área de implantação de pedreiras ou núcleos extrativos na respetiva região cársica, o contributo da espeleologia científica deve ser exigido desde a fase de pesquisa até à fase de recuperação e reabilitação ambiental e paisagística. Os critérios que devem presidir à escolha das formas de atuação, das metodologias a utilizar e do momento e duração devem respeitar os seguintes princípios e objetivos:

  1. Obtenção dos dados necessários e suficientes para responder às questões levantadas em cada uma das fases;
  2. Utilização dos meios e equipamentos adequados à dimensão e importância presumida para os valores espeleológicos identificados;
  3. Intervenção precoce para prevenir qualquer degradação dos valores espeleológicos e rápida tomada de decisão quanto ao prosseguimento dos trabalhos da pedreira para reduzir ou evitar os tempos de paragem da exploração;
  4. Minimização dos custos para o explorador, recorrendo a entidades com competência adequada, principalmente oficiais ou instituições de investigação espeleológica sem fins lucrativos.

 São objetivos do acompanhamento por especialistas em espeleologia científica:

  1. Na delimitação das zonas de defesa: aconselhamento na delimitação das “zonas de defesa” ou “zonas especiais de defesa” quando existem cavidades naturais ou outros elementos de relevância científica ou do património geológico no contorno das áreas a afetar;
  2. Na fase de pesquisa: observação de elementos de diagnóstico durante a abertura das sanjas ou frentes de desmonte de pesquisa e durante a execução dos perfis geofísicos (consignados no Anexo I) para identificação da possível existência de cavidades e outros aspetos cársicos, sedimentos paleocársicos e elementos com interesse científico, ambiental ou para o património geológico, e sua importância e desenvolvimento;
  3. Na elaboração dos planos de pedreira: fornecimento e/ou avaliação de elementos para a carta de condicionantes, para a síntese de condicionantes e para a memória descritiva e justificativa do Plano de Lavra;
  4. Na fase de exploração: i) avaliação da probabilidade de serem encontrados elementos científicos e do património geológico importantes nas frentes em avanço (cavidades naturais, sedimentos paleocársicos, vestígios paleontológicos e aspetos sedimentares, estruturais e tectónicos); ii) caracterização, descrição e documentação rápida desses elementos de modo a não entravar o avanço; iii) recomendação de medidas de preservação temporária ou permanente de algum aspeto mais importante encontrado, mantendo o decurso da exploração; iv) formação célere de uma equipa para estudo de eventuais elementos mais complexos, de modo a reduzir ao mínimo o tempo de suspensão do avanço; v) aconselhamento na tomada de medidas extraordinárias no caso de serem encontrados durante o avanço valores científicos ou patrimoniais excecionais; vi) sugestão de medidas de preservação ou valorização de eventuais elementos de interesse científico ou patrimonial a serem considerados como propostas de alteração ou adendas ao PGRA;
  5. Durante a elaboração do PGRA: fornecimento e/ou avaliação de elementos para elaboração do PGRA, contribuindo com soluções para a reabilitação e/ou conservação das cavidades naturais ou dos elementos de relevância científica ou do património geológico preservados;
  6. Durante a recuperação e reabilitação ambiental e paisagística: acompanhamento e aconselhamento das melhores práticas a observar durante a recuperação e reabilitação ambiental relacionadas com as cavidades naturais ou com os elementos de relevância científica ou do património geológico.

Como complemento a esta nossa PROPOSTA DE MELHORAMENTO DO “PROJECTO DE DECRETO-LEI QUE PROCEDE À REGULAMENTAÇÃO DA LEI N.º 54/2015, DE 22 DE JUNHO, NO QUE RESPEITA ÀS MASSAS MINERAIS”, listamos ainda algumas correções ao texto apresentado para consulta pública (Anexo I).

Lisboa, 27 de agosto de 2020       

Seção de Ambiente da SPE

Sociedade Portuguesa de Espeleologia

Anexo I

Complemento para a consulta pública relativa ao projeto de Decreto-Lei que procede à regulamentação da Lei n.º 54/2015, de 22 de junho, no que respeita às massas minerais.

  • Artigo 3ᵒ
  1. f) «Geossítio», a pessoa coletiva a área de ocorrência de elementos geológicos com reconhecido valor científico, educativo, estético e cultural, nos termos do disposto na alínea i) do artigo º, do Decreto-Lei n.º 142/2008, coligir de 24 de julho, na sua redação atual;
  • Artigo 6ᵒ
  1. A alteração da largura das zonas de defesa nos termos do número anterior terá de estar tecnicamente fundamentada em estudo geotécnico de especialidade (de acordo com a temática do objeto que motiva a alteração da zona de defesa, podendo ser de âmbito geológico, geotécnico, ambiental, patrimonial, patrimonio geológico, entre outros...), que deverá conter os elementos definidos em portaria a aprovar pelo membro do Governo responsável pela área da geologia.
  • Artigo 30ᵒ
  1. O explorador deve delinear e executar os programas de trabalhos de pesquisa segundo critérios de gestão ambiental responsáveis, avaliando, prevenindo, minimizando e compensando os impactes negativos que possam ser causados ao solo, fauna, flora, qualidade do ar, uso do solo, paisagem, património geológico e cavidadas naturais, águas superficiais e subterrâneas, inteirando-se e cumprindo as leis e regulamentos aplicáveis e cingindo ao mínimo necessário as interferências com a tipologia de uso dominante e regimes de proteção vertidos nos instrumentos de gestão territorial aplicáveis e nas servidões administrativas e restrições de utilidade pública em vigor a cada momento, adotando as medidas preventivas adequadas ao contexto hidrogeológico do local, tendo em atenção a sua vulnerabilidade e a sua potencial utilização.
  2. (...) Acrescentar a seguinte alínea

Em articulação com as entidades competentes, encontrar uma solução para as cavidades naturais com interesse espeleológico postas a descoberto ou intersetadas pelos trabalhos de pesquisa;

  • Artigo 31ᵒ

No ponto 1, acrescentar a alínea anterior como exceção.

  • Artigo 53ᵒ

2 O PGRA corresponde a um documento técnico que integra as especificações e os elementos previstos no Anexo V ao presente decreto-lei, e fixa, para cada uma das fases referidas no número anterior, com base em critérios científicos e técnicos e atendendo a fatores de viabilidade técnica, socioeconómica e financeira, as medidas de gestão e reabilitação ambiental relativas, pelo menos, aos seguintes aspetos:

  1. a) Minimização de impactes ambientais negativos decorrentes da atividade da pedreira, incluindo dos seus anexos, dentro da área licenciada e nas zonas periféricas, nomeadamente em matéria de resíduos, substâncias perigosas, ruído, qualidade do ar, paisagem, património geológico e cavidades naturais, qualidade das águas superficiais e subterrâneas, aspetos quantitativos das águas subterrâneas, qualidade e características do solo, incluindo após o encerramento da pedreira;

(...)

  1. h) Conservação da natureza, da biodiversidade e da geodiversidade, soluções para promoção da qualidade paisagística, soluções para identificar a existência de cavidades naturais e evitar a sua afetação e, na medida do possível e adequado face aos usos subsequentes propostos, para a preservação de preexistências;
  • Artigo 54ᵒ
  1. O responsável técnico deve ser detentor de habilitação e especialidade adequadas e inscrição válida na respetiva ordem ou associação profissional, bem como idoneidade devidamente reconhecida por despacho do Diretor-Geral da Energia e Geologia, nos termos do seguinte procedimento
  2. Para efeitos do n.º 2, entende-se por especialidade adequada a detenção de curso superior cujo plano curricular envolva as áreas da Engenharia de Minas, Geológica ou Geotécnica, da área da Geologia e ainda a detenção de outros cursos superiores de áreas técnicas afins desde que complementados por formação técnica específica adicional ou experiência operacional devidamente comprovada e nunca inferior a cinco anos. Sempre que a área a licenciar se localizar em zonas de rocha carbonatada o responsável técnico deverá ter competências na área da espeleologia científica.
  • Artigo 61ᵒ
  1. Qualquer achado de interesse científico, cultural ou arqueológico ocorrido durante a pesquisa ou a exploração da pedreira deve ser comunicado, no prazo de 48 horas, à entidade licenciadora, à entidade competente no âmbito do património cultural e ao ICNF, I. P., no âmbito do património científico, quando a pedreira se localize em área classificada ou sensível, para que sejam adotadas as medidas adequadas, aplicando-se, nomeadamente, o disposto na Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, ou no Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de julho, na sua redação atual.
  • Anexo I
  1. A pesquisa abrange o conjunto de estudos e trabalhos, anteriores à fase de exploração, que têm por fim o dimensionamento, a determinação das características e a avaliação do interesse económico do aproveitamento de massas minerais. Este conjunto de estudos e trabalhos também deverá analisar a viabilidade do aproveitamento de massas minerais após avaliação das diferentes componentes ambientais.
  2. Salvo disposição específica em portaria de cativação, os trabalhos de campo na pesquisa devem ser detalhados no programa de trabalhos da pesquisa e compreendem:
  3. a) Reconhecimento geológico de superfície e subterrâneo no caso de serem inventariadas cavidades naturais
  • Anexo II

Consideramos a distância mínima de proteção a nascentes e captações de água subterrânea, sem perímetro de proteção, sugerida de 50 metros, manifestamente pouco. Entendemos que não há uma distância ideal pois as mesmas dependem do contexto hidrogeológico em que se localizam, mas consideramos que 100 metros é um valor mais razoável.

  • Anexo V

(A) Pedreiras de classes 1 e 2

Elementos gerais - Caracterização física do terreno - Caracterização física:

               Caracterização dos solos, fauna, vegetação, climatologia, geologia, geomorfologia e hidrogeologia.

Elementos gerais - Síntese de condicionantes - Naturais:

               Fauna, flora, água, atmosfera, paisagem, clima, recursos minerais e fatores geotécnicos, património geológico, geossítios e cavidades naturais.

Plano de Lavra - Memória descritiva e justificativa:

(...)

               Identificação e caracterização sumária dos impactes ambientais mais significativos decorrentes da atividade da pedreira, incluindo dos seus anexos, dentro da área licenciada e nas zonas periféricas, nomeadamente em matéria de resíduos, substâncias perigosas, ruído, vibrações, património geológico e cavidades naturais, qualidade do ar, qualidade das águas superficiais e subterrâneas, quantidade e qualidade das águas subterrâneas, qualidade e características do solo, incluindo após o encerramento da pedreira; (...)

(B) Pedreiras de classes 3

Elementos gerais - Caracterização física do terreno - Caracterização física:

               Caracterização dos solos, fauna, vegetação, climatologia, geologia, geomorfologia e hidrogeologia.

Elementos gerais - Síntese de condicionantes - Naturais:

               Fauna, flora, água, atmosfera, paisagem, clima, recursos minerais e fatores geotécnicos, património geológico, geossítios e cavidades naturais.

Plano de Lavra - Memória descritiva e justificativa:

(...)

               Identificação e caracterização sumária dos impactes ambientais mais significativos decorrentes da atividade da pedreira, incluindo dos seus anexos, dentro da área licenciada e nas zonas periféricas, nomeadamente em matéria de resíduos, substâncias perigosas, ruído, vibrações, património geológico e cavidades naturais, qualidade do ar, qualidade das águas superficiais e subterrâneas, quantidade e qualidade das águas subterrâneas, qualidade e características do solo, incluindo após o encerramento da pedreira; (...)