Grutas e Morcegos

Para além da sua importância do ponto de vista geológico, as grutas apresentam um elevado interesse biológico por abrigarem comunidades animais peculiares.

Porque é importante falar dos morcegos
Das 24 espécies de morcegos existentes no continente, cerca de metade utiliza abrigos subterrâneos para se abrigar durante pelo menos parte do ano, estando algumas das espécies completamente dependentes destes meios. A importância ecológica dos morcegos é muito elevada, já que consomem diariamente dezenas de toneladas de insectos; tendo em conta que os insectos poderiam em alguns casos constituir pragas para a agricultura ou ser vectores de doenças, é fácil de compreender a importância económica que os morcegos também têm.

A falta de matéria orgânica nas grutas é um factor limitativo de extrema importância; os morcegos cavernícolas são frequentemente os principais importadores da matéria orgânica essencial à manutenção das comunidades de invertebrados das grutas; o desaparecimento de uma colónia de morcegos poderá provocar a destruição de uma destas raras comunidades.


Morcego - Plecotus auritus (Linnaeus, 1756)

Muitas espécies de morcegos estão ameaçadas
Ainda que algumas espécies de morcegos sejam bastante abundantes, uma grande parte tem no nosso país populações pequenas e frágeis. Estas últimas são em geral cavernícolas, estando nove classificadas como "em perigo" no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal. Esta situação não ocorre só em Portugal; em diversos países europeus as populações de morcegos sofreram um dramático declínio durante as últimas décadas: as densidades têm diminuído, as áreas de distribuição têm sofrido uma redução e alguns países perderam mesmo várias espécies da sua fauna.

Porque estão ameaçados os nossos morcegos

Além da fragilidade populacional resultante de uma taxa de reprodução muito baixa e, nalguns casos, de uma grande concentração das populações devido à dependência de um número reduzido de abrigos, existem outras razões que têm provocado esta dramática situação:

- Perturbação dos abrigos - A perturbação dos abrigos é provavelmente a causa mais importante do declínio dos morcegos cavernícolas em Portugal. Até há alguns anos, a superstição e as dificuldades técnicas faziam com que as grutas portuguesas fossem muito raramente visitadas. As rápidas mudanças culturais da sociedade portuguesa estão a eliminar as superstições que durante milénios evitaram a perturbação das colónias de morcegos cavernícolas. Anualmente milhares de pessoas entram agora em grutas ocupadas por morcegos e este número parece continuar a crescer. A principal ameaça não vem dos grupos de espeleologia organizados, cujos membros são geralmente cuidadosos, mas sim dos muitos visitantes esporádicos.

- Destruição dos abrigos - São relativamente poucos os abrigos subterrâneos disponíveis para as espécies cavernícolas, que deles estão dependentes. Sendo as grutas e minas pouco abundantes e os morcegos exigentes nas características microclimáticas e na localização dos abrigos que seleccionam, a sua disponibilidade é um factor limitante da abundância e distribuição das espécies cavernícolas. Assistimos já à destruição de alguns importantes abrigos subterrâneos no país.

- Destruição dos biótopos de alimentação - Tendo grandes necessidades energéticas, as nossas espécies de morcegos dependem de zonas de caça com elevadas densidades de insectos. A redução e transformação das áreas de habitats naturais afectam certamente os morcegos que nelas se alimentam, sendo particularmente grave a perda de zonas húmidas e de zonas de folhosas.

- Utilização de pesticidas - O envenenamento com pesticidas parece ser um factor importante na mortalidade dos morcegos, mas o seu verdadeiro impacto nas populações é difícil de avaliar. Os pesticidas são-lhes também muito prejudiciais por diminuírem, por vezes de forma drástica, os recursos alimentares disponíveis para as espécies insectívoras.

O que tem sido feito para conservar os morcegos?
A preparação da Estratégia de Conservação dos Morcegos Cavernícolas e do Plano Nacional de Conservação dos Morcegos Cavernícolas permitiu avaliar a situação das espécies cavernícolas a nível nacional e propôr medidas concretas de conservação. Em colaboração com a Faculdade de Ciências de Lisboa, o ICN tem vindo a implementar as recomendações do Plano. Para além de medidas directas de preservação de alguns abrigos, tem sido feita a monitorização das principais colónias de criação e hibernação e desenvolvidos diversos estudos aplicados à conservação destas espécies.
Todos os esforços dependem, no entanto, da participação de todos, já que a sobrevivência destas espécies depende grandemente da alteração da sua imagem junto do público.

O que podem fazer os espeleólogos?
Como foi referido, a perturbação dos abrigos, em particular nas épocas de criação (Abril a Julho, inclusive) e hibernação (Dezembro a Fevereiro, inclusive), é uma das principais razões de ameaça das espécies cavernícolas. Por este motivo, a selecção dos abrigos que visitam durante estas épocas, sobretudo com grandes grupos e cursos, deverá ser cuidadosamente feita.

No entanto, há algumas regras que deverão estar sempre presentes:

- evitar visitar as zonas das grutas que abriguem morcegos;
- quando se encontram morcegos no decorrer da exploração, passar essa zona o mais rápido possível;
- evitar fazer ruído e iluminar os animais - não manipular os morcegos, mesmo quando se encontrem em letargia.

Para uma eficaz conservação dos morcegos, a ajuda que os espeleólogos podem prestar é extremamente importante. Informações diversas, como a localização de novas colónias ou quaisquer problemas nas grutas, ajudam o ICN a monitorizar as cavidades e a melhor conservar estas espécies, que são uma parte importante do património espeleológico.

 

Autores:
Luísa Rodrigues (1) e Jorge M. Palmeirim (2)
(1) Instituto da Conservação da Natureza; (2) Dept. Zoologia e Centro de Biologia Ambiental, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa.

2001